domingo, 8 de maio de 2011

Poesia dia das mães: Tulipas de dor, alegria e gratidão à minha mãe!


Ilustração: Kandinski


Este poema é dedicado a todos as mães e filhos que sofreram e sofrem de violência doméstica.

Tulipas de dor, alegria e gratidão à minha mãe!

Um vaso de tulipas não dirá o que de fato és,
mesmo que cresçam gigantes em teus olhos,
suas pontas atravessem as nuvens,
sua raiz perpetue-se em nossa velha casa
de madeira e rache suas paredes.
Lembra, mãe? Não tinha forro,
gotículas de chuva atravessavam as telhas usadas,
os móveis velhos, o tapete trançado
de restos de tecido...
Lembra mãe, da cobertura do sofá de pele de cabrito
costuradas com um fio de sebo,
e o pelego vermelho de crina de cavalo...?
Quando a porta rangia pela noite, o velho beliche fazia um chiado:
Todos quietos, o pai esta chegando bêbado! – você dizia.
Talvez hoje ele nos esqueça!
Talvez não lembre que existimos!
Talvez não comece a falar da dor
que o consome desde a infância!
Da opressão dos patrões, dos seus pés descalços
congelados pela geada,
De ter sido humilhado pela sua cidade,
sua própria irmã e seus parentes,
por ser um carroceiro, por ser pobre,
e pagar a conta de uma sociedade hipócrita!
Talvez esqueça de toda violência pela qual passou!
Apesar deste preconceito e dor ter corroído seus ossos,
e a bebida degenerado sua mente!
E sua doença ter nos afetado a todos para sempre.
(Naquele tempo, não se faziam diagnósticos
De doenças como essas!)
Sim, desta vez, quem sabe raciocine que nós não temos
nada a ver com isso!
Talvez não nos chame para o meio da sala,
e, ao fingirmos que dormimos,
não nos arranque com violência do leito
e tudo termine como terminou sempre,
quase toda semana, todo mês, os anos intermináveis,
quando temíamos até o latido dos cachorros,
avisando da dor que viria,
ao abrir-se a porta,
e os vizinhos nunca interferirem
apesar dos gritos de dor e socorro!
Eu corria até eles, batendo em cada porta:
“Meu pai está matando minha mãe! Ajudem!”
E ninguém fazia nada! E eu tinha medo!
Até que um dia eu desisti de procurar ajuda.
Desisti para sempre de pedir ajuda!
Meu pai era um homem bom quando estava sóbrio:
distribuía remédios gratuitamente para os vizinhos,
ajudava a todos e jogava futebol como ninguém.
Parava a carroça para me comprar doces.
Dá uns doces para o guri – dizia!
Dá um pão com mortadela – dizia!
Dá um Wimi - dizia
Levava-me à garupeira da bicicleta,
Apresentava-me aos amigos: “Este é meu filho homem!” –dizia, com orgulho.
Eu o admirava, apesar de toda dor que sentia e do que não conseguia entender!
Como quando deu-me um relógio coberto de sangue,
ao completar oito anos,
e no outro dia, veio a minha cama,
e eu quase não podia me mover de dor,
por todo o corpo,
tendo mechas dos meus cabelos arrancados
na colcha puída que me cobria,
e chorou convulsivamente:
desculpe, filho, eu não queria fazer isso!
E eu o perdoei! E eu sempre o perdoava!
O que tulipas idiotas podiam dizer disso neste dia?


Mãe, tenho tua velha foto em preto e branco
ao lado de uma carroça com tua irmã,
quando eram ainda solteiras.
Duas meninas-morenas lindas de Guarapuava...
Aí, já sei que pensavas em mim,
pois nasci simples como você...

Trabalhou a vida inteira,
Tua caligrafia desenhada,
Muito melhor do que a minha,
Tremida e desleixada!
Tua mãe bugre e índia,
Como todos nós o somos.
Teu primeiro grau incompleto,
Que terminou aos sessenta.
(Onde arrumou forças, depois de tudo?)
E não sei como te ser grato,
Não há maneiras de dizê-lo!
Quando me levava verduras,
à porta do pensionato, escondida!
Depois escrevendo tuas cartas
P.S – Teu pai manda lembranças!
(Lembranças do quê, mãe? Eu não queria ter lembranças!)
Depois que fui para o interior,
após a faca por ele atirada ter cravado à porta,
poucos centímetros de minha cabeça,
e eu parti na Brasília de um primo em terceiro grau,
para morar com meus avós, levando um pequena mochila de sonhos,
entre eles a de ser um dia um grande homem.

Lembro-me mãe,
quando te debruçastes sobre mim,
após o acidente de carro, e dissestes:
“Meu filho, querido!”
Quando abri os olhos,
ouvi Deus,
e voltei a respirar novamente.
Talvez o amor seja isto:
sermos incapazes de ser e dizer
tudo que somos e sentimos
diante de quem amamos.
Talvez tenha percebido isto,
quando criança
ao vê-la deitada quase inerte,
no meio da sala,
no meio do abismo de dor, sangue e vergonha,
depois do bárbaro massacre.
Levando você ao trabalho teus hematomas,
e aquela vergonha que não era nossa,
e a carregávamos do colégio à Porta da Igreja,
e a carregávamos por onde íamos.
Durante quatorze anos...
Acabaram-se nossas desculpas, todas elas:
os “tropeços”, as “caídas da escada”, as “quinas de móveis”,
os ataques dos porcos selvagens...
Todos os vizinhos sabiam,
todo mundo sabia:
e por que levávamos uma vergonha
que não era nossa?
E porque saíamos quietos,
escondidos, desviando-nos dos olhares,
como se a culpa fosse nossa?

O que dizem estas tulipas idiotas,
Diante de tudo isto?

Tudo que sou, herdei de você:
O amor pela vida, a grandeza do perdão,
A simplicidade, a força para lutar,
a inteligência de sorrir
só de algo que faz sentido!
E você faz sentido para mim...

Estes dias, encontrei em minhas coisas,
teus velhos vinis dos hinos cristãos.
Lembrei dos domingos frios,
quando colocava tuas mãos nas minhas.
E íamos à igreja protestante.
A senhora dizia: vamos por nas mãos de Deus!
Mas porque Deus não fazia nada, mãe?
Eu me perguntava, olhando a mãe d’água,
que me hipnotizou e eu cai na fonte,
quando minha irmã consegui me salvar,
puxando-me pelas pernas!
(Por que lembro do que pensava aos cinco anos e não lembro
de como possa ter caído?)
Éramos nós que tínhamos que fazer algo, mãe!
E nós não fizemos,
porque você o amava, dizia!
porque tinha medo do futuro incerto
de todos nós, seus filhos, pequenos!
E o dia que você tentou pedir o desquite,
ele apareceu na porta do Colégio,
pálido, abatido e disse:
“O que meus amigos vão pensar de mim?”
E eu o perdoei, em nome de seus amigos!
Mas não em nosso nome.
Eu pedi à senhora que reconsiderasse.
E nós o perdoamos, sempre acreditando que
tudo mudasse. Nós nunca deixamos de acreditar
no melhor das pessoas e da humanidade, mãe,
pela humanidade que existia em nós.
Mas um dia eu disse a ele:
Por que você fez tudo isto conosco, pai?
Ele dizia não lembrar!
Eu o fiz lembrar, mãe!
E o fiz lembrar de tudo que ele dizia não lembrar!
E porque nós, mãe, lembramos de tudo?
Ninguém precisa nos lembrar...
e lembrar de tudo nos faz algo mais do que mãe e filho:
cúmplices de uma vergonha que não era nossa,
amigos em um campo de concentração,
exigindo uma grande capacidade
de perdoar, amar e ser o que somos,
também com nossos defeitos e erros.
Desculpe-me lembrar de tudo isto hoje mãe,
diante das tulipas inocentes ou idiotas!
Nós que somos capazes de superar tudo
e ser sempre muito melhores,
do que foram com a gente!

Eu descobri, mãe, que a violência não leva a nada.
Escrevi poemas falando da paz,
Mas quando precisou, defendi nossa honra.
Lutei contra todas as guerras,
Estudei e entendi que “o oprimido quer imitar o opressor”,
e por isto temos uma sociedade opressora e violenta.
Defendi sempre aqueles aos quais julgava indefesos.
E reconheço que na mocidade, levava uma revolta
que quase me consumiu, como havia consumido meu pai.
Uma revolta contra todos que se calam diante das omissões!
Uma revolta até contra mim mesmo por não ter feito tudo que podia,
mesmo sendo um menino.
E por isso, eu quase me perdi, mãe, no caminho sem mapa da vida.
Mas aprendi, com você, a superar tudo.

Talvez, mãe, as tulipas sejam capazes de serem belas,
neste domingo do Dia das Mães,
só porque nós conseguimos ser mais belas do que elas!
As tulipas têm inveja do seres humanos
nos quais nós nos transformamos, mãe,
eu e você, apesar de toda dor.
E foi tanta dor, mãe, que aprendemos a amar
como ninguém ama!

Desculpe mãe, lembrar de tudo isto,
diante das tulipas amarelas.
Por expô-la e expor-me em meus poemas.
Sabe o que é? Hoje não tenho vergonha de nada.
São todos eles que tem que ter vergonha do que são:
a sociedade hipócrita, os vizinhos, os omissos, os covardes!
E desculpe mãe, do fundo do coração,
por precisar de ajuda médica!
Porque não ter conseguido superar tudo sozinho,
como você conseguiu.
Talvez porque eu fosse uma criança.
Talvez porque demorei a entender
que precisava de ajuda e ter dito a mim mesmo
que nunca procuraria a ajuda de ninguém.
E ter descoberto isto muito tarde.
Apesar disso, vejo em teus olhos,
o motivo de orgulho que tens
por eu ter me transformado em tudo que sou!
Por ser o teu melhor presente.
Porque você sabe, mais do que ninguém,
o que de fato somos, depois de tudo.

E quem são eles, mãe, os covardes, para nos julgarem,
se até as tulipas não são mais belas do que nós o somos,
depois de tudo?

Dia das Mães, 8 de maio de 2011

Fonte: http://www.pibloktok.blogspot.com

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